Acessibilidade / Reportar erro

Cefaleias primárias em adolescentes e sua associação com o uso excessivo de computador

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A inclusão de dispositivos eletrônicos como meios de entretenimento e recreação trouxe repercussão direta na vida dos adolescentes, todavia o uso excessivo pode gerar consequências. Objetivou-se verificar a prevalência de cefaleias primárias e sua possível associação com o uso excessivo de computador em adolescentes.

MÉTODOS:

Participaram do estudo 262 adolescentes com idade entre 14 e 19 anos, estudantes de uma escola pública, que responderam um questionário que visou avaliar variáveis sócio-demográficas, dados sobre uso de computador, presença de sintomas de cefaleia e nível de atividade física. Foram utilizados modelos múltiplos de regressão logística binária e multinomial para avaliar a associação entre as variáveis. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS:

A prevalência de cefaleia foi de 87,8%. Não houve diferença significativa quanto à presença de cefaleia entre gêneros, mas dentre os tipos de classificação, a tensional apresentou maior frequência entre o gênero feminino (35,4%). Indivíduos do gênero feminino, faixa etária entre 12 e 15 anos e uso excessivo de computador apresentaram maiores chances de relatar cefaleia. O gênero feminino apresenta 15,61 vezes mais chances de relatar cefaleia do tipo tensional. Adolescentes que referiram uso excessivo do computador apresentaram 2,54 vezes mais chances de relatar migrânea.

CONCLUSÃO:

Os resultados mostram alta prevalência de cefaleia primária entre os adolescentes, sendo a migrânea a mais prevalente. O uso abusivo do computador foi considerado fatores de risco para o desenvolvimento de cefaleia.

Descritores:
Adolescente; Cefaleia; Computador; Tecnologia da informação

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The use of electronic devices as entertainment and recreation means has directly affected adolescents’ lives; however their excessive use may bring consequences. This study aimed at observing the prevalence of primary headaches and their possible association with excessive use of computers among adolescents.

METHODS:

Participated in the study 262 teenagers aged between 14 and 19 years, students of a public school, who have answered a questionnaire to evaluate socio-demographic variables, data on computer use, presence of headache symptoms and level of physical activity. Multiple models of binary and multinomial logistic regression were used to evaluate the association among variables. Significance level was 5%.

RESULTS:

Prevalence of headache was 87.8%. There has been no significant difference in the prevalence of headache between genders, but among classification types, tension headache was more prevalent among females (35.4%). Females aged between 12 and 15 years and excessive computer use had higher chances of reporting headache. Females have 15.61 times more chance of reporting tension headache. Adolescents reporting excessive computer use had 2.54 times more chance of reporting migraine.

CONCLUSION:

Results have shown high prevalence of primary headache among adolescents, being migraine the most prevalent type. Abusive computer use were considered risk factors for the development of headache.

Keywords:
Adolescent; Computer; Headache; Information technology

INTRODUÇÃO

A inclusão de dispositivos eletrônicos como meios de entretenimento e recreação tem crescido consideravelmente com o avanço da tecnologia e essa inserção tem repercutido de forma direta no dia a dia de adolescentes, ocupando grande espaço em suas vidas11 Brindova D, Veselska ZD, Klein D, Hamrik Z, Sigmundova D, van Dijk JP, et al. Is the association between screen-based behaviour and health complaints among adolescents moderated by physical activity? Int J Public Health. 2015;60(2):139-45.. Dispositivos como celulares, computadores, jogos eletrônicos, tablets e televisão têm sido utilizados tanto para fins escolares como para lazer22 Hakala PT, Saarni LA, Punamäki RL, Wallenius MA, Nygård CH, Rimpelä AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescents--pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2012;13:41.,33 Milde-Busch A, von Kries R, Thomas S, Heinrich S, Straube A, Radon K. The association between use of electronic media and prevalence of headache in adolescents: results from a population-based cross-sectional study. BMC Neurol. 2010;10:12..

Atrelado à facilidade de acesso aos dispositivos eletrônicos está o aumento do tempo gasto com tais aparelhos, e decorrentes disso consequências negativas à saúde dos adolescentes têm sido descritas na literatura, tais como alterações no sono, cansaço, ansiedade, depressão, excesso de peso, redução nos níveis de atividade física, diminuição da concentração, dores musculoesqueléticas, estresse e cefaleia33 Milde-Busch A, von Kries R, Thomas S, Heinrich S, Straube A, Radon K. The association between use of electronic media and prevalence of headache in adolescents: results from a population-based cross-sectional study. BMC Neurol. 2010;10:12.

4 Punamäki RL, Wallenius M, Nygard CH, Saarni L, Rimpelä A. Use of information and communication technology (ICT) and perceived health in adolescence: the role of sleeping habits and waking-time tiredness. J. Adolesc. 2007;30(4):569-85.

5 Anderson CA, Bushman BJ. Effects of violent video games on aggressive behavior, aggressive cognition, aggressive affect, psychological arousal, and prosocial behavior: a meta-analytic review of the scientific literature. Psychol Sci. 2001;12(5):353-9.

6 Alexander LM, Currie C. Young people's computer use: implications for health education. Health Educ. 2004;104(4):254-61.
-77 Blaauw BA, Dyb G, Hagen K, Holmen TL, Linde M, Wentzel-Larsen T, et al. The relationship of anxiety, depression and behavioral problems with recurrent headache in late adolescence - a Young-HUNT follow-up study. J Headache Pain. 2015;16:10.. A cefaleia, apontada como um problema crescente entre crianças e adolescentes e que está possivelmente relacionada com mudanças no estilo de vida e fatores ligados ao estresse88 Ozge A, Termine C, Antonaci F, Natriashvili S, Guidetti V, Wöber-Bingöl C. Overview of diagnosis and management of paediatric headache. Part I: diagnosis. J Headache Pain. 2011;12(1):13-23., tem sido destacada em alguns estudos como uma das principais queixas entre adolescentes decorrente do uso abusivo de dispositivos eletrônicos66 Alexander LM, Currie C. Young people's computer use: implications for health education. Health Educ. 2004;104(4):254-61.,99 Oksanen A, Metsãhonkala L, Anttila P, Aromaa M, Jãppilã E, Viander S, et al. Leisure activities in adolescents with headache. Acta Paediatr. 2005;98(1):609-15.. Recentemente, Brindova et al.11 Brindova D, Veselska ZD, Klein D, Hamrik Z, Sigmundova D, van Dijk JP, et al. Is the association between screen-based behaviour and health complaints among adolescents moderated by physical activity? Int J Public Health. 2015;60(2):139-45. observaram que os adolescentes que referiram assistir televisão por mais de três horas diárias apresentam maiores chances de relatar queixas de ordem física e psicológica, incluindo a cefaleia. Do mesmo modo, aqueles que utilizam o computador para trabalho ou lazer por mais de três horas apresentam 70% mais chances de apresentar cefaleia.

Essa realidade não é diferente no panorama nacional onde estudos atuais apontam altas prevalências de cefaleia em adolescentes, com redução na qualidade de vida1010 Castro K, Rockett FC, Billo M, Oliveira GT, Klein LS, Parizotti CS, et al. Lifestyle, quality of life, nutritional status and headache in school-age children. Nutr Hosp. 2013;28(5):1546-51.,1111 Rocha-Filho PA, Santos PV. Headaches, quality of life, and academic performance in schoolchildren and adolescents. Headache. 2014;54(7):1194-202., impactos negativos nas atividades de vida diária1212 Lima AS, de Araújo RC, Gomes MR, de Almeida LR, de Souza GF, Cunha SB, et al. [Prevalence of headache and its interference in the activities of daily living in female adolescent students]. Rev Paul Pediatr. 2014;32(2):256-61. English, Portuguese. como também no rendimento acadêmico1111 Rocha-Filho PA, Santos PV. Headaches, quality of life, and academic performance in schoolchildren and adolescents. Headache. 2014;54(7):1194-202.. O progresso tecnológico brasileiro, tanto no mercado de trabalho quanto nas comunicações sociais, exige o domínio sobre dispositivos eletrônicos, independentemente da classe socioeconômica. Na tentativa de acompanhar esse cenário e ainda visando a inclusão social e amplificação de acesso a informações para estudantes, a Secretaria Estadual de Educação do estado de Pernambuco realizou a distribuição de laptops para alunos do ensino médio de escolas estaduais em 2012.

No entanto, especula-se que tal atitude possa implicar o aumento do tempo gasto nesses dispositivos e ainda colaborar com o surgimento das queixas citadas, inclusive a cefaleia. Nesse contexto, diante do crescente número de adolescentes que se queixam de cefaleia, agregado à escassez de estudos nacionais que empregam a relação entre o uso de dispositivos eletrônicos e essa queixa, o presente estudo objetivou verificar a prevalência de cefaleia e sua possível associação com o uso de computador e jogos eletrônicos em adolescentes de uma escola estadual da cidade de Petrolina/PE.

MÉTODOS

A população-alvo deste estudo foi composta de alunos matriculados na oitava série do ensino fundamental e nos três anos do ensino médio do Colégio de Aplicação Professora Vande de Souza Ferreira, escola da rede pública estadual da cidade de Petrolina-PE. O cálculo da amostra foi realizado no programa WinPepi e foi levada em consideração a população total de sujeitos da Escola de Aplicação Professora Vande de Souza Ferreira (n=600), estatística bilateral com α=0,05, poder de 80%, proporção estimada de 50%, precisão absoluta em torno da estimativa em 5% e perda de aproximadamente 10%, chegando ao número mínimo de 261 indivíduos. No estudo, foram incluídos estudantes devidamente matriculados na escola citada, que apresentassem idade entre 14 e 19 anos e que tivessem entregado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) devidamente datado e assinado. Foram excluídos da amostra adolescentes que apresentaram erros de preenchimento e/ou preenchimento incompleto do questionário.

A coleta de dados foi realizada na própria escola, durante o período de outubro de 2013 a março de 2014 utilizando-se um questionário construído e adaptado, com o objetivo de avaliar variáveis sócio-demográficas (idade, gênero, série cursada, presença de atividade remunerada, renda familiar em salários mínimos), dados sobre uso de computador, presença de sintomas de cefaleia e nível de atividade física. Algumas questões foram baseadas no questionário autoaplicável: Síndromes e lesões musculoesqueléticas em crianças e adolescentes e sua relação com computador e vídeo games1313 Jannini SN, Dória-Filho U, Damiani D, Silva CA. [Musculoskeletal pain in obese adolescentes]. J Pediatr. 2011;87(4):329-35. English, Portuguese.. Com intuito de assegurar melhor compreensão e abrangência do estudo, algumas questões foram adaptadas, como a utilização de Notebook e Tablet no lugar de Laptop . Para identificar se o indivíduo possuía cefaleia, foi utilizado como critério para sua presença ter apresentado a queixa pelo menos uma vez no último ano e para classificar o tipo de cefaleia foram utilizadas questões baseadas nos critérios de classificação internacional de cefaleia1414 The International Classification of Headache Disorders: 2nd ed. Cephalalgia. 2004;24(Suppl 1):9-160.. O nível de atividade física foi avaliado por meio da aplicação do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ)- Versão Curta1515 Matsudo S, Araujo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário internacional de atividade física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Atividade Física & Saúde. 2001;6(2):5-18..

Para cálculo do índice de massa corporal (IMC) foram medidas a massa corporal e a estatura, usando-se uma balança eletrônica portátil com capacidade de 150kg (marca Camry) e estadiômetro portátil (marca Welmy), respectivamente A classificação do estado nutricional dos adolescentes foi realizada de acordo com os critérios sugeridos por Cole et al.1616 Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320(7244):1240-3..

Análise estatística

Foram consideradas nove variáveis independentes (gênero, idade, nível socioeconômico, atividade profissional, nível de atividade física, estado nutricional e tempo de uso de computadores) e uma variável dependente (presença de cefaleia). Já para classificação do tipo de cefaleia foram levados em consideração a cefaleia tipo tensional, a migrânea e outros tipos de cefaleia. Os dados foram digitados em uma planilha eletrônica no programa Microsoft Excel, utilizando procedimento de dupla entrada dos dados. A análise de dados foi realizada no programa SPSS (versão 20). A análise descritiva incluiu a distribuição de frequência relativa e absoluta das variáveis categóricas e intervalo de confiança (IC95%) para proporções. Para variáveis numéricas, foram calculados valores de média e desvio padrão.

Na análise inferencial foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher a fim de analisar as diferenças entre as variáveis encontradas em pessoas do gênero feminino e masculino. Foram construídos modelos de regressão logística bivariada para verificar associação isolada entre as variáveis dependentes e cada variável independente. Essas análises permitiram analisar as variáveis que entrariam no modelo de regressão múltipla, bem como explorar os possíveis fatores de confusão e identificar necessidade de ajustamento de análise. Utilizou-se a regressão logística binária para expressar o grau de associação entre as variáveis independentes e dependentes, através da estimativa da razão de chances (odds ratio=OR) e intervalo de confiança de 95%. No modelo final múltiplo, foram selecionadas as variáveis com significância do p menor que 0,20.

Por fim, com o objetivo de observar a associação entre as variáveis independentes e os diferentes tipos de cefaleia, recorreu-se à utilização de um modelo de regressão multinomial. A significância estatística foi considerada quando valor de p<0,05, em todos os testes aplicados.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Pernambuco (CAAE: 13598313.5.0000.5207).

RESULTADOS

Foram coletadas informações de 265 adolescentes. No entanto, houve perda de três voluntários devido ao mau preenchimento do questionário, totalizando assim uma amostra final de 262 adolescentes (101 sujeitos do gênero masculino e 161 do gênero feminino). A amostra apresentou média de idade de 15,36±1,56 anos; massa corporal de 56,61±11,21kg e estatura de 165,45±8,41cm. A maior parte da amostra se mostrou fisicamente ativa (160 sujeitos – 61,1%) e apresentou sobrepeso ou obesidade (192 sujeitos – 73,3%). Com relação ao tempo gasto utilizando o computador, os adolescentes apresentaram uma média de uso 228,75 minutos por semana o que corresponde a 3,83 horas por dia.

A tabela 1 representa a análise das frequências da presença de cefaleia e suas possíveis classificações entre os gêneros. Não houve diferença significativa quanto à presença de cefaleia, mas dentre os tipos de classificação, a tensional apresentou maior frequência no gênero feminino (p=0,001).

Tabela 1
Descrição, em frequências absolutas, da presença de cefaleia e sua classificação em adolescentes de ambos os gêneros

A análise de regressão múltipla demonstrou que as variáveis gênero, idade e uso de computador mantiveram-se no modelo final. Indivíduos do gênero feminino, com faixa etária entre 12 e 15 anos e que utilizam computador por um tempo maior que três horas por dia apresentaram maiores chances de relatar cefaleia (Tabela 2).

Tabela 2
Associação das variáveis independentes com a presença e ausência de cefaleia nos adolescentes

A análise de regressão multinomial demonstrou, para os diferentes tipos de cefaleia, que o gênero feminino apresenta 15,61 vezes mais chances de relatar cefaleia do tipo tensional e 72% vezes menos chances de classificar a cefaleia como "outros tipos". Aqueles adolescentes que referiram usar o computador por mais de três horas por dia, apresentaram 2,54 vezes mais chances de relatar cefaleia do tipo migrânea, como observado na tabela 3.

Tabela 3
Fatores associados à presença dos diferentes tipos de cefaleia em adolescentes estudantes de uma escola pública de Petrolina, PE. 2013-2014

DISCUSSÃO

Ainda existem, no Brasil, poucos estudos que avaliem a associação do uso de dispositivos eletrônicos com a presença de cefaleia, justificando o intuito deste estudo. Ao verificar elevada prevalência de cefaleia entre os 262 adolescentes avaliados, tornou-se evidente a importância deste estudo no que diz respeito aos fatores que poderiam estar associados a essa queixa.

A prevalência de cefaleia na população estudada foi de 87,8%. Taxas tão altas quanto esta também foram relatadas por outros autores1717 Blaschek A, Milde-Busch A, Straube A, Schankin C, Langhagen T, Jahn K, et al. Self-reported muscle pain in adolescents with migraine and tension-type headache. Cephalalgia. 2012;32(3):241-9.,1818 Xavier MK, Pitangui AC, Silva GR, Oliveira VM, Beltrão NB, de Araújo RC. Prevalência de cefaleia em adolescentes e sua associação com uso de computador e jogos eletrônicos. Ciên Saúde Colet. 2015 [In Press]. http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongressos-da-sbp/13-congresso-brasileiro-de-adolescncia/0092-prevalencia-decefaleia-em-adolescentes-e-sua-associacao.pdf.
http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongres...
, contudo, ainda é possível encontrar valores inferiores (35,1%) ao exposto1919 Albers L, von Kries R, Heinen F, Straube A. Headache in school children: is the prevalence increasing? Curr Pain Headache Rep. 2015;19(3):4., e tais divergências podem ser justificadas por diferentes desenhos metodológicos e pelas formas de avaliação da cefaleia, pois alguns estudos classificam como tendo cefaleia quem apresentou pelo menos um episódio de cefaleia nos últimos três meses e outros no último ano. Recentemente, Albers et al.1919 Albers L, von Kries R, Heinen F, Straube A. Headache in school children: is the prevalence increasing? Curr Pain Headache Rep. 2015;19(3):4. propuseram uma revisão sistemática a respeito da prevalência de cefaleia entre crianças e adolescentes e concluíram que o aumento desse valor é proporcional à idade, no entanto tal achado diverge do presente estudo, que observou que a maior chance de relatar cefaleia está compreendida entre a faixa etária de 12 a 15 anos comparada aos adolescentes de 16 a 19 anos. São vários os fatores desencadeadores da cefaleia nas diferentes faixas etárias o que pode explicar achados destoantes e nesse contexto Juang et al.2020 Juang KD, Wang SJ, Fuh JL, Lu SR, Chen YS. Association between adolescent chronic daily headache and childhood adversity: a community-based study. Cephalalgia. 2004;24(1):54-9. e Tietjen et al.2121 Tietjen GE, Brandes JL, Peterlin BL, Eloff A, Dafer RM, Stein MR, et al. Childhood maltreatment and migraine (part I). Prevalence and adult revictimization: a multicenter headache clinic survey. Headache. 2010;50(1):20-31. verificaram que fatores ligados à estrutura familiar tais como estresse e/ou divórcio podem estar associados a queixas de cefaleia em adolescentes mais jovens. Tais associações não foram observadas no presente estudo, que se limitou a avaliar a possível associação com uso de computadores, o que restringiu a identificação de outras possíveis associações.

Com relação à distribuição da frequência dos diferentes tipos de cefaleia primária, observou-se uma prevalência de 30,2% para o tipo migrânea e 22,5% para tensional. No estudo realizado por Xavier et al.1818 Xavier MK, Pitangui AC, Silva GR, Oliveira VM, Beltrão NB, de Araújo RC. Prevalência de cefaleia em adolescentes e sua associação com uso de computador e jogos eletrônicos. Ciên Saúde Colet. 2015 [In Press]. http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongressos-da-sbp/13-congresso-brasileiro-de-adolescncia/0092-prevalencia-decefaleia-em-adolescentes-e-sua-associacao.pdf.
http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongres...
com adolescentes brasileiros e com metodologia similar, a migrânea também foi o tipo de cefaleia mais encontrado (19,3%) seguido do tipo tensional (17,9%). Apesar da similaridade entre os desenhos metodológicos, discrepância entre as prevalências foram encontradas, possivelmente pela amostra recrutada que pode estar exposta a diferentes fatores desencadeadores da cefaleia primária.

No presente estudo, especificamente o gênero feminino apresentou maior prevalência de cefaleia do tipo tensional comparado ao gênero masculino. Outro achado relevante foi observar que as meninas apresentaram uma queixa 271% maior e mostraram-se 15,61 vezes mais propensas a relatar a cefaleia do tipo tensional. Shantakumari et al.2222 Shantakumari N, Eldeeb R, Sreedharan J, Gopal K. Computer use and vision-related problems among university students in ajman, United arab emirate. Ann Med Health Sci Res. 2014;4(2):258-63., também observaram que os indivíduos do gênero feminino apresentavam 78% mais chances de desenvolver cefaleia. Albers et al.1919 Albers L, von Kries R, Heinen F, Straube A. Headache in school children: is the prevalence increasing? Curr Pain Headache Rep. 2015;19(3):4., retratam que dos 22 estudos sobre prevalência de cefaleia primária entre os gêneros, 15 reportaram maiores valores no gênero feminino. Essa associação entre a presença de cefaleia e o gênero feminino já está bem documentada na literatura1919 Albers L, von Kries R, Heinen F, Straube A. Headache in school children: is the prevalence increasing? Curr Pain Headache Rep. 2015;19(3):4.,2323 Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician. 2012;15(4):327-32.,2424 Fendrich K, Vennemann M, Pfaffenrath V, Evers S, May A, Berger K, et al. Headache prevalence among adolescentes--the German DMKG headache study. Cephalalgia. 2007;27(4):347-54. e uma de suas possíveis causas são as questões hormonais presentes nessa fase2525 Monteith TS, Sprenger T. Tension type headache in adolescence and childhood: where are we now? Curr Pain Headache Rep. 2010;14(6):424-30.. Tais dados enfatizam a importância de considerar as cefaleias como um sintoma associado ao gênero.

A despeito do uso de dispositivos eletrônicos, foi verificado um total de tempo de uso de 228,75 minutos por semana, ou 3,83 horas por dia. Esses valores demonstram o uso abusivo desses dispositivos pelos adolescentes e alertam como possível fator de risco para o desenvolvimento da cefaleia. Além disso, os adolescentes que utilizam computadores por um período maior que três horas diárias, apresentam 3,44 vezes mais chances de referir cefaleia. Especificamente, o uso de computador sujeita os indivíduos ao aumento das queixas de cefaleia do tipo migrânea em 154%. Corroborando tais achados, um estudo realizado com 8.042 adolescentes com idade média de 13,13 anos na Finlândia demostrou que passar mais que 3 horas ao dia assistindo televisão aumenta as chances de apresentar cefaleia11 Brindova D, Veselska ZD, Klein D, Hamrik Z, Sigmundova D, van Dijk JP, et al. Is the association between screen-based behaviour and health complaints among adolescents moderated by physical activity? Int J Public Health. 2015;60(2):139-45.. Xavier et al.1818 Xavier MK, Pitangui AC, Silva GR, Oliveira VM, Beltrão NB, de Araújo RC. Prevalência de cefaleia em adolescentes e sua associação com uso de computador e jogos eletrônicos. Ciên Saúde Colet. 2015 [In Press]. http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongressos-da-sbp/13-congresso-brasileiro-de-adolescncia/0092-prevalencia-decefaleia-em-adolescentes-e-sua-associacao.pdf.
http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongres...
afirmam que adolescentes que fazem uso excessivo de dispositivos eletrônicos têm maior probabilidade (OR=1,52) de apresentar cefaleia. A literatura ainda declara que a sobrecarga sobre o sistema visual e a manutenção de posturas inadequadas por longos períodos, se refletem em relatos de cefaleia em adolescentes22 Hakala PT, Saarni LA, Punamäki RL, Wallenius MA, Nygård CH, Rimpelä AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescents--pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2012;13:41.,99 Oksanen A, Metsãhonkala L, Anttila P, Aromaa M, Jãppilã E, Viander S, et al. Leisure activities in adolescents with headache. Acta Paediatr. 2005;98(1):609-15..

Apesar dos resultados encontrados concordarem com a literatura mais atual e apresentarem relevância estatística e social, o estudo teve como limitação o fato de generalizar os resultados para estudantes de escola pública e estender para estudantes de ensino particular. Além disso, o uso de questionário autoaplicado pode levar tanto a uma super quanto a uma subestimação dos valores devido ao viés de memória dos avaliados. Não obstante, os resultados encontrados têm sua importância justificada como indicador de risco para o surgimento de cefaleia associada ao tempo de uso de computadores, ao gênero e à idade. Fica evidente, assim, a necessidade de acompanhamento dos adolescentes que fazem uso abusivo desses dispositivos, visando a restringir, tanto quanto possível, influências negativas de tal uso no cotidiano dos adolescentes.

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo evidenciam alta prevalência de cefaleia primária entre os adolescentes avaliados, sendo a migrânea o tipo de cefaleia mais prevalente, seguida da cefaleia do tipo tensional. O uso excessivo do computador foi considerado fatores de risco para o desenvolvimento de cefaleia, principalmente no gênero feminino.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Brindova D, Veselska ZD, Klein D, Hamrik Z, Sigmundova D, van Dijk JP, et al. Is the association between screen-based behaviour and health complaints among adolescents moderated by physical activity? Int J Public Health. 2015;60(2):139-45.
  • 2
    Hakala PT, Saarni LA, Punamäki RL, Wallenius MA, Nygård CH, Rimpelä AH. Musculoskeletal symptoms and computer use among Finnish adolescents--pain intensity and inconvenience to everyday life: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2012;13:41.
  • 3
    Milde-Busch A, von Kries R, Thomas S, Heinrich S, Straube A, Radon K. The association between use of electronic media and prevalence of headache in adolescents: results from a population-based cross-sectional study. BMC Neurol. 2010;10:12.
  • 4
    Punamäki RL, Wallenius M, Nygard CH, Saarni L, Rimpelä A. Use of information and communication technology (ICT) and perceived health in adolescence: the role of sleeping habits and waking-time tiredness. J. Adolesc. 2007;30(4):569-85.
  • 5
    Anderson CA, Bushman BJ. Effects of violent video games on aggressive behavior, aggressive cognition, aggressive affect, psychological arousal, and prosocial behavior: a meta-analytic review of the scientific literature. Psychol Sci. 2001;12(5):353-9.
  • 6
    Alexander LM, Currie C. Young people's computer use: implications for health education. Health Educ. 2004;104(4):254-61.
  • 7
    Blaauw BA, Dyb G, Hagen K, Holmen TL, Linde M, Wentzel-Larsen T, et al. The relationship of anxiety, depression and behavioral problems with recurrent headache in late adolescence - a Young-HUNT follow-up study. J Headache Pain. 2015;16:10.
  • 8
    Ozge A, Termine C, Antonaci F, Natriashvili S, Guidetti V, Wöber-Bingöl C. Overview of diagnosis and management of paediatric headache. Part I: diagnosis. J Headache Pain. 2011;12(1):13-23.
  • 9
    Oksanen A, Metsãhonkala L, Anttila P, Aromaa M, Jãppilã E, Viander S, et al. Leisure activities in adolescents with headache. Acta Paediatr. 2005;98(1):609-15.
  • 10
    Castro K, Rockett FC, Billo M, Oliveira GT, Klein LS, Parizotti CS, et al. Lifestyle, quality of life, nutritional status and headache in school-age children. Nutr Hosp. 2013;28(5):1546-51.
  • 11
    Rocha-Filho PA, Santos PV. Headaches, quality of life, and academic performance in schoolchildren and adolescents. Headache. 2014;54(7):1194-202.
  • 12
    Lima AS, de Araújo RC, Gomes MR, de Almeida LR, de Souza GF, Cunha SB, et al. [Prevalence of headache and its interference in the activities of daily living in female adolescent students]. Rev Paul Pediatr. 2014;32(2):256-61. English, Portuguese.
  • 13
    Jannini SN, Dória-Filho U, Damiani D, Silva CA. [Musculoskeletal pain in obese adolescentes]. J Pediatr. 2011;87(4):329-35. English, Portuguese.
  • 14
    The International Classification of Headache Disorders: 2nd ed. Cephalalgia. 2004;24(Suppl 1):9-160.
  • 15
    Matsudo S, Araujo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, et al. Questionário internacional de atividade física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Atividade Física & Saúde. 2001;6(2):5-18.
  • 16
    Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320(7244):1240-3.
  • 17
    Blaschek A, Milde-Busch A, Straube A, Schankin C, Langhagen T, Jahn K, et al. Self-reported muscle pain in adolescents with migraine and tension-type headache. Cephalalgia. 2012;32(3):241-9.
  • 18
    Xavier MK, Pitangui AC, Silva GR, Oliveira VM, Beltrão NB, de Araújo RC. Prevalência de cefaleia em adolescentes e sua associação com uso de computador e jogos eletrônicos. Ciên Saúde Colet. 2015 [In Press]. http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongressos-da-sbp/13-congresso-brasileiro-de-adolescncia/0092-prevalencia-decefaleia-em-adolescentes-e-sua-associacao.pdf.
    » http://www.sbp.com.br/trabalhosdecongressos-da-sbp/13-congresso-brasileiro-de-adolescncia/0092-prevalencia-decefaleia-em-adolescentes-e-sua-associacao.pdf
  • 19
    Albers L, von Kries R, Heinen F, Straube A. Headache in school children: is the prevalence increasing? Curr Pain Headache Rep. 2015;19(3):4.
  • 20
    Juang KD, Wang SJ, Fuh JL, Lu SR, Chen YS. Association between adolescent chronic daily headache and childhood adversity: a community-based study. Cephalalgia. 2004;24(1):54-9.
  • 21
    Tietjen GE, Brandes JL, Peterlin BL, Eloff A, Dafer RM, Stein MR, et al. Childhood maltreatment and migraine (part I). Prevalence and adult revictimization: a multicenter headache clinic survey. Headache. 2010;50(1):20-31.
  • 22
    Shantakumari N, Eldeeb R, Sreedharan J, Gopal K. Computer use and vision-related problems among university students in ajman, United arab emirate. Ann Med Health Sci Res. 2014;4(2):258-63.
  • 23
    Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician. 2012;15(4):327-32.
  • 24
    Fendrich K, Vennemann M, Pfaffenrath V, Evers S, May A, Berger K, et al. Headache prevalence among adolescentes--the German DMKG headache study. Cephalalgia. 2007;27(4):347-54.
  • 25
    Monteith TS, Sprenger T. Tension type headache in adolescence and childhood: where are we now? Curr Pain Headache Rep. 2010;14(6):424-30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2015
  • Aceito
    01 Out 2015
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br